domingo, 7 de novembro de 2021

SER PROFESSOR EM MEU LUGAR


Compreendo a prática do educar como ato que se processa em meio a múltiplas relações que envolvem saberes, fazeres, pensares, aspectos cognitivos, poderes, interesses e valores que nem sempre são afins, e ainda muitos outros aspectos de ordens diversas: recursos financeiros, humanos, estruturais, etc.
 
Tendo em vista à formação dos indivíduos, e esses  em particular, são sujeitos únicos, que pensam, agem, produzem e evoluem  de acordo com o seu eu, com sua personalidade e outros fatores ligados as suas inter-relações com o meio em que vivem. Penso ser a referida prática antes de tudo complexa e desafiadora. E, certamente, ser professor (a) em qualquer lugar do mundo não é tarefa simples.

Falar sobre o tema ser professor no nosso lugar, nos leva a refletir dentre outros aspectos, sobre o importante papel que tem esse profissional na vida de cada cidadão; de como será o fazer desse sujeito enquanto mediador e responsável por fazer essa “mágica” acontecer e sobre quais têm sido as condições a ele oferecidas para desenvolver seu trabalho. 

Na minha comunidade, a exemplo de tantas outras mundo afora, em que pese a importância da educação na formação do indivíduo e a vontade, e o fazer dos muitos profissionais que constituem o espaço escolar, a falta e ou carência de alguns elementos imprescindíveis ao fazer pedagógico tornam o exercício dessa prática ainda mais delicado.

É notório perceber que nem sempre aquilo que é relevante e imprescindível ao cidadão é tratado e valorizado como tal. Desta forma, o caminhar e o desenvolver das coisas seguem compassos diversos.  
 
Algumas caminham a passos gigantescos, outras a passos moderados, e outras ainda numa lentidão assustadora e cansativa. Essa última forma, parece ser, por onde caminha e ou como se cuida da Educação Pública em nosso país.

Não fosse assim, como justificar em pleno século XXI, vivermos em comunidades em que o espaço escolar não dispõe sequer de um ambiente para refeição e ou para qualquer outra atividade coletiva que envolva seu alunado? 
 
Como pode-se pensar assegurar ensino de qualidade quando alunos e professores ficam amontoados em cubículos sufocantes, e o professor (a), não dispõe sequer de um quadro negro em boa condição de uso? 
 
O que fazer diante dessa realidade, se no contexto atual, esse aluno lá fora, quando não convive e faz uso, é no mínimo sabedor de toda uma gama de aparelhagem tecnológica que os põem a anos luz entre esses dois cenários?

Em se tratando especificamente da realidade da comunidade de Carnaubinha, aqui a prática do ensino aprendizado sempre implicou em muitas dificuldades. Algumas específicas de cada  contexto histórico; outras caducas e eternizadas em contextos diversos. 
 
Inicialmente estavam atreladas tanto a inexistência de um espaço escolar quanto a tantos outros fatores historicamente constituídos, dentre eles: o desconhecimento da importância do estudo, a necessidade da criança e do adolescente trabalharem para ajudar no sustento da família, a falta de formação do profissional, e ou pela não existência de professores da própria comunidade, o que requeria que algumas das professoras que aqui atuaram, se deslocassem a pé, do centro da cidade de Touros para cá, isso no tempo que não se tinha estrada e nem se contava com meios de transportes.  Para essas profissionais terem sido professoras em meu lugar, certamente não foi tarefa simples. 

Do que se tem conhecimento, a primeira delas foi a professora Áurea, entre as décadas de 40 e 50 e posteriormente a Sr.ª Maria Salete de Aguiar, a partir da década de 60. Dona Salete ensinava a 2ª série primária. 
 
 
Fui uma das suas alunas. Lembro-me que ela trazia consigo um garoto para lhe fazer companhia. Em ocasiões em que ele não podia acompanhá-la, ela escolhia um dos seus alunos (as), para ir com ela e voltar no dia seguinte.  De acordo com alguns moradores mais antigos da comunidade, dentre eles, a senhora Maria Odete de Brito, 83 anos, essa era sua prática habitual de início de jornada. 
 
 
Antes de trazer o garoto como companhia fixa, os seus alunos eram quem cumpriam esse papel. A escolha era feita por antecipação: as vezes semanalmente e ou de um dia para o outro, e se constituía de um momento bastante aguardado, visto que, todos queriam viver a experiência de ir à casa da professora.


De acordo com depoimento do Sr. Manoel Batista da Silva, conhecido como Manoel de João Guedes, a primeira professora que se tem conhecimento na comunidade era conhecida como Chiquinha de Zé Nicolau, ensinava a crianças de idades diferenciadas na sua própria casa e numa mesma turma. Não era natural da comunidade e tinha uma filha chamada Sofia a qual veio a lhe substituir em suas funções pedagógicas por alguns anos. 
 

Décadas passaram e em pleno século XXI, num contexto em que a evolução tecnológica transpõe todas as barreiras de espaços, tempos, comunicação, etc., o fator espaço escolar, continua a ser um dos elementos de maior limitação à prática educativa do povo da minha comunidade.

Construído na década de 80 (século XX), para atender uma demanda bem diferente da atual, o prédio onde funciona a escola da nossa comunidade continua sendo o único existente e apesar de recentemente ter passado por uma reforma, continua sem oferecer a estrutura adequada que se faz necessária para um estabelecimento de ensino. 
 
A falta de visão, de planejamento e de cuidado do poder público ao longo do tempo para com a educação neste município, permitiu dentre outros fatores, que a área de pátio por trás da escola (situada a beira-mar), passasse a ser usufruto de terceiros, inclusive em forma de doação por representantes públicos a pessoas influentes de outras paragens.  

Funcionando diuturnamente, a escola oferece o Maternal e as séries iniciais e finais do Ensino Fundamental. São 250 alunos matriculados. O seu quadro de professores é constituído por profissionais que moram na comunidade e de outros de comunidades vizinhas: Touros e Perobas. A parte relacionada a Educação Infantil antes da pandemia vinha funcionando em prédios alugados e anexos a escola. 

Até 14 de julho de 2020, a escola tinha como patronesse a Professora Lindalva Taveira. Em 15 de julho, através da Lei de nº 845/2020, de autoria do então vereador Paulo Sérgio França Cruz, passou a ser denominada E. M. professora Maria dos Anjos do Nascimento. Dona Dos Anjos, como de todos conhecida, era filha natural de Carnaubinha e uma das mais antigas e importantes professoras para o povo da comunidade. Lecionou de 1960 a 1985 e por praticamente todo esse tempo foi professora do 1º ano de escolaridade. Tive a dádiva de tê-la como minha primeira professora. Faleceu em 19/05/2020.

De acordo com a srta. Karliane Maria da Silva, professora do 5º ano, e filha de uma das antigas professoras da comunidade (Maria Iracema), ser professora na comunidade é um exercício muito prazeroso. No entanto, muito desafiador. 
 
As maiores facilidades estão relacionadas a boa convivência com a comunidade escolar e os maiores e difíceis entraves estão atrelados tanto a questão da limitação do espaço escolar, quanto do pouco envolvimento da família com a vida escolar dos seus filhos e nos últimos tempos de toda a complexidade trazida pela pandemia, principalmente as inerentes a ausência de recursos de mídias por parte do alunado.

Comungam do mesmo pensamento o sr. Francisco Ricardo do Nascimento Filho, 4º ano de escolaridade, morador de Perobas e há vinte anos atuando como professor na comunidade de Carnaubinha, a professora Conceição Gabriel de Assis e a então Gestora Valcilene Guedes de Moura. Para eles, o espaço físico reduzido é sem dúvida o maior entrave ao desenvolvimento de atividades de aprendizados mais significativos. 
 
A própria participação dos pais no contexto escolar - uma das significativas estratégias de melhoramento de aprendizado e fazer pedagógico - deixa de ser aprimorada e ou efetivada por não haver condições práticas da família estar presente na escola. A referida não dispõe sequer de um espaço para refeitório e nem área livre ao seu entorno que possa auxiliar na realização de atividades coletivas.  

Ser professor (a) em meu lugar é, portanto, um exercício constante de superação, perseverança e obstinação.


Autora: Lucineide Santana dos Santos

Nenhum comentário: