Ele sabe tudo. É o maioral. Um gênio em sua expertise. Não precisa de
ninguém. Diz que até uma pedra pode fazer o trabalho de determinado
subalterno. Acha que já alcançou o Olimpo de seu ramo por estar num
cargo de liderança e não há nada novo a aprender. Isso tudo segundo ele
mesmo, claro. Esse é o chamado “chefe sabe-tudo”.
Na verdade, algumas dessas atitudes podem esconder não só
incompetência como também insegurança. No “menos pior” dos casos, pode
ser apenas o fato de a pessoa não estar preparada para lidar com o
poder.
“Sim, lidar com o poder é uma questão de aprendizado”, observa a
coach e psicóloga Eunice Brito, de São Paulo. “É um desafio para o ser
humano em qualquer dimensão de sua vida. Um ‘chefe sabe-tudo’ está numa
situação patológica em que não reconhece que os outros têm algo a
contribuir.”
E quando é questão de insegurança? “Alguns ‘vestem’ um cargo visando a
uma pretensa superioridade e caem no problema de não reconhecer o
semelhante como ser humano’, explica Eunice.
“Vou ser sempre assim”
A coach explica que a liderança é desenvolvida com técnicas
aprendidas para se conduzir um grupo de pessoas e alcançar resultados
com elas, “sem que a empresa ou o chefe sejam ‘máquinas de moer carne’
com os funcionários, exaurindo-os de energia e motivação”, compara. Aí
entra muito a questão do “manda quem pode” e todo mundo que aceite, na
mentalidade de algumas organizações e pessoas doutrinadas por elas.
“Empresas assim ainda existem e chefes assim também”, diz a
psicóloga, “aqueles, por exemplo, que impõem metas humanamente
inalcançáveis, irreais”. Segundo ela, esse tipo de trabalho extenuante é
infrutífero e resulta na diminuição da autoestima do profissional, um
grande perigo na vida laboral e pessoal.
“Liderança educativa”
Eunice revela que ainda há empresas e chefes com poucas formas de
reconhecimento do seu colaborador: “Algumas, inclusive, acham que
reconhecer alguém é só oferecer um bom salário e o resto se resolve, e
não é”.
“Ninguém é perfeito”, lembra a especialista, “mas isso pode ser
contornado. Para ela, “é preciso separar a pessoa do que ela faz na hora
de analisar algum feito dela, pois não somos exatamente o que fazemos,
são coisas diferentes”.
Eunice explica que a pessoa deve se sentir reconhecida, mesmo quando é
chamada para receber uma crítica por algo. “O líder deve primeiro
mostrar apreço pelo ser humano ali na sua frente, que o reconhece e o
respeita, para só depois chegar na questão do ‘olha, mas tal coisa que
você fez não foi boa’. Assim, o funcionário não se sente
desnecessariamente pressionado e recebe a crítica de uma forma mais
positiva”. É o que ela chama de “liderança educativa” – que impulsiona
para a frente e contribui enormemente para a formação do trabalhador.
Do modo oposto, primeiro o chefe chegar com o “dedo acusador” no
rosto do subordinado, ele pode se sentir contrariado e sua dedicação
pode cair. “A liderança deve ser empática, não coercitiva”, frisa a
coach.
Contato inteligente
Nenhum chefe pode se dar ao luxo de achar que se basta. O resultado
da equipe é muito o reflexo de sua liderança. E o entrosamento com ela é
precioso. Assim, o líder também tem a liberdade de pedir ajuda aos
comandados. “É para isso que existem secretários e secretárias, por
exemplo, ou qualquer tipo de auxiliar. De repente ele sabe algo novo que
o chefe ainda não domina e este pode muito bem pedir para que aquele
lhe ensine algo. Toda a equipe ganha com isso, com bons resultados”.
A habilidade no contato com qualquer posição na hierarquia revela
talentos – e o “talentoso” em questão se sente reconhecido, o que tem
impactos bastante positivos em sua dedicação e nos frutos de suas ações.
“O mundo gira, as tecnologias avançam e o aprendizado delas depende de
comunicação”, lembra Eunice.
Não à acomodação
“Eu sei que o novo amedronta”, Eunice discorre, “mas isso não é
motivo para se acomodar num cargo de chefia, achar que nunca sairá dali.
Ela lembra que “você não é o lugar, só está nele” e que “o chefe de
hoje pode ser o subalterno de amanhã”.
Quem se acomoda, segundo a expert, corre mesmo o risco de se estagnar
e alguém que estava sob seu comando pode subir e ser seu chefe
futuramente. “É outro motivo pelo qual é prudente ter um bom
relacionamento com seus comandados de agora”, aconselha. “Assim, a
parceria que dá certo hoje de cima para baixo continuará a funcionar de
baixo para cima no futuro, e todos ganham”.
Se você está num cargo de liderança e detectou esses “sintomas” de
“sabe-tudo”, não está perdido por causa disso. Caso não consiga mudar de
atitude sozinho, Eunice dá um valioso toque: “Não se sinta mal em
buscar ajuda. Pode ser de um especialista, pode ser por meio de um curso
de liderança ou de comunicação voltado para líderes. ‘Resignifique’
suas crenças profissionais. É sempre um bom aprendizado”.