A
violência contra a mulher está em todas as esferas da sociedade brasileira. Uma
amostra disso é que até um conhecido aspirante a prefeito está envolvido nesse
tipo de caso. Em meados de fevereiro, a Procuradoria-Geral da República (PGR)
pediu autorização do Supremo Tribunal Federal (STF) para investigar o
pré-candidato do PMDB à Prefeitura do Rio de Janeiro, Pedro Paulo Carvalho
(foto ao lado), por agressão à ex-mulher, Alexandra Marcondes.
Pedro
Paulo é deputado federal e, por isso, só pode ser investigado e processado pelo
STF. Até o fechamento desta edição, o ministro Luiz Fux, relator do caso, ainda
não havia decidido pela abertura ou não do inquérito.
Notícias
envolvendo o nome do político em episódios de violência doméstica ganharam
destaque no ano passado. Sites, jornais e revistas semanais divulgaram
ocorrências policiais registradas por Alexandra contra Pedro Paulo no Rio de
Janeiro e em São Paulo. Um laudo do Instituto Médico Legal (IML) indica que ela
foi atacada com chutes e socos e agarrada pelo pescoço, além de ter sido jogada
contra a parede e no solo.
Em
novembro, Pedro Paulo concedeu uma entrevista à imprensa para explicar o caso.
“Quem não tem uma briga, um descontrole, quem não exagera numa discussão? A
gente às vezes exagera, fala coisas que não deve”, afirmou. Na mesma coletiva,
Alexandra defendeu o ex-marido. “As pessoas erram e eu vim dar a cara a tapa.
Nós erramos, mas superamos isso e viramos essa página”, disse.
Risco
para as mulheres
Ao
sugerir que “perder o controle” é comum, Pedro Paulo traduziu bem o pensamento
atrasado de muitos brasileiros: para essas pessoas, a violência contra a mulher
seria algo normal, corriqueiro e permitido. Esse caso também demonstra que o
problema não escolhe idade, lugar ou classe social. Não importa se a mulher
vive em uma comunidade carente, se é esposa de um homem público, se é
universitária ou se é cliente de um bar renomado: todas podem ser vítimas da
violência de gênero – que inclui espancamento, xingamento, cantadas, assédio,
difamação, estupro, ameaça e assassinato.
O
Brasil é o quinto País mais perigoso para a mulher no mundo, em uma lista de 83
nações – só fica atrás de El Salvador, Colômbia, Guatemala e Rússia. Entre as
vítimas atendidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em 2014, 67,2% foram
agredidas por um parente próximo, parceiro ou ex-companheiro, segundo o Mapa da
Violência 2015 – Homicídios de Mulheres no Brasil. A cada 90 minutos, uma
mulher é assassinada por um companheiro ou ex-companheiro, de acordo com estudo
divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em 2013.
Violência
em casa
A
cabeleireira Francisca Maria da Silva, de 50 anos (foto ao lado), foi vítima da
violência cometida pelo primeiro marido durante vários anos. As agressões
começaram após o nascimento da segunda filha deles, depois de cinco anos de
união. “Ele começou com agressões verbais e logo passou para a agressão física
e depois psicológica. Fui embora duas vezes de casa, mas ele não aceitava”,
relembra.
Francisca
explica que os espancamentos deixavam marcas roxas pelo corpo e afetavam sua
autoestima. “As pessoas percebiam, mas eu não falava muito. Minha mãe dizia
para eu me separar”, conta. A situação foi se agravando dia após dia. “Houve
uma vez que ele deu um soco na minha boca e sangrou muito. Quase fui à
delegacia, mas não tive coragem por causa das ameaças de morte”, relata.
Os
espancamentos cessaram após a morte do marido em um acidente de trânsito, há
nove anos. Era o fim de um casamento de mais de duas décadas. Mas o episódio
não acabou com os tormentos vividos por Francisca. “Eu estava muito abalada, os
traumas permaneceram por um bom tempo. A mudança na minha cabeça só aconteceu
depois que comecei a participar das reuniões do Raabe (grupo da Universal que
oferece apoio e orientação a mulheres vítimas de violência). Deus ajudou a
curar minhas feridas”, afirma.
Hoje,
Francisca, que vive em Teresina (PI), destaca a importância de procurar ajuda
ao primeiro sinal de violência, seja uma ameaça, seja um tapa. “As mulheres
precisam procurar apoio. É possível mudar o rumo de nossas vidas”, aconselha,
acrescentando que agora está casada com um homem que a respeita.
Lei
e ação
Neste
ano, o País comemora uma década da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340), que
aumentou o rigor das punições para agressões contra mulheres. Hoje, ela é
reconhecida pela Organização das Nações Unidas como uma das três melhores
legislações do mundo no combate à violência de gênero.
Entretanto,
ainda há muito a ser feito para acabar com esse tipo de crime. A mudança de
valores na sociedade brasileira é um passo importante, como destaca a
coordenadora nacional do Raabe, Carlinda Tinôco Cis. “A lei é necessária, mas
não transforma nada se a pessoa não mudar de comportamento”, opina.
Carlinda
defende a mobilização de grupos no combate à violência contra a mulher, como
fazem as voluntárias do Raabe em todos os Estados brasileiros. “Ainda existem
mulheres adormecidas e envergonhadas. Quanto mais se falar do problema, mais
portas abrimos para ajudar. Está em cada pessoa a forma de agir e lutar para
não aceitar a violência contra a mulher.”
Ela
ressalta que o apoio às vítimas ajuda a quebrar o ciclo de violência. “Quando
chegam ao Raabe, muitas mulheres estão em processo judicial, sendo ameaçadas.
Elas são carinhosamente recebidas e bem orientadas, isso traz tranquilidade.
Após essa orientação, elas são convidadas a buscar a cura interior, pois dessa
forma vão cicatrizar os traumas da violência física, moral e sexual.” O Raabe
atende pelo e-mail projetoraabe@gmail.com.
É
problema seu
A
violência contra a mulher também é real entre os brasileiros de 16 a 24 anos. É
o que mostra uma pesquisa que ouviu 2 mil homens e mulheres nessa faixa etária.
O levantamento afirma que 79% das jovens já foram assediadas, receberam
cantadas ofensivas, violentas e desrespeitosas ou foram abordadas de forma
agressiva em festas ou em locais públicos. E 30% alegaram já terem sido
beijadas à força.
O
estudo indicou confusão sobre o tema: somente 35% dos entrevistados consideram
violência proibir a mulher de sair à noite, controlar a parceira pelo telefone
ou proibí-la de usar determinada roupa. O levantamento é do Instituto Avon em
parceria com o Instituto Data Popular.
A
divulgação desse tipo de pesquisa estimula o diálogo sobre o tema, como
assinala a consultora de projetos do Instituto Avon, Mafoane Odara. “Falar
sobre esses números significa que estamos falando mais sobre esses temas. E
isso faz com que as pessoas reflitam mais sobre os comportamentos dos homens em
relação ao assédio e sobre como as mulheres podem falar sem medo”, avalia.
Mafoane
lembra que a violência contra a mulher é um problema de toda a sociedade. Ou
seja, todos precisam agir, repensar os próprios comportamentos e fazer
denúncias. “Cada pessoa precisa entender o seu papel. Homens têm que entender
seu papel na reprodução da violência. Outra questão é trabalhar na educação de
crianças e na reeducação de jovens para que não seja preciso punir os homens.
Com relação ao poder público, nós temos a Lei Maria da Penha, mas precisamos
que ela seja reconhecida e usada pelos operadores do Direito, promotores e
juízes”, explica.
Abuso
durante a infância
Elaine
Garcia, de 29 anos (foto ao lado), teve uma infância marcada pelo sofrimento.
Adotada aos 3 anos de idade, ela foi vítima de abusos sexuais cometidos por um
dos membros da nova família dos 8 aos 11 anos. “Ele me atraía dizendo que iria
mostrar alguma coisa. O quarto dele tinha muitos eletrônicos e eu ia por
curiosidade. No começo eu não entendia a situação, não sabia como reagir”,
relembra.
Elaine
conta que os abusos foram se tornando constantes e ela passou a sentir nojo de
si mesma. “Um dia ele me puxou pela blusa, e eu, tentando fugir, tropecei e me
agarrei a um fio de energia elétrica desencapado, tomei um choque. Tenho marcas
até hoje”, explica.
Apesar
do tormento, Elaine conta que ninguém desconfiava da situação. “Ninguém
percebia, ele já era um senhor de idade. E eu tinha medo de falar, pois me
sentia culpada e achava que seria rejeitada.” As agressões cessaram quando
Elaine passou a dizer que contaria tudo à família. Meses depois, o abusador
ficou doente.
Os
traumas da agressão a acompanharam durante alguns anos. “Eu me sentia uma
adolescente suja, contaminada.” Elaine começou a superar o problema quando
encontrou apoio em outras mulheres do Raabe. “Eu me libertei das desconfianças,
pois antes achava que todas as pessoas se aproximavam para me machucar. Aprendi
que eu não tinha culpa de nada. Perdoei e parei de olhar para trás. Hoje, sou
completamente feliz, meu encontro com Deus me salvou daquilo.” Atualmente,
Elaine é voluntária do Raabe e oferece apoio a mulheres vítimas de violência em
Belo Horizonte (MG).
Denúncia
na internet
No
último ano, vários grupos usaram a internet para alertar para a violência
contra a mulher. Neste mês, universitárias de Porto Alegre (RS) criaram uma
página no Facebook: Meu Professor Abusador. A comunidade recebe relatos
anônimos de casos de assédio vividos ou testemunhados em escolas e
universidades. Mais de 600 depoimentos foram publicados.
Em
São Paulo, outro caso confirma o poder da rede. No início do mês uma jovem
estava em um bar com amigos quando foi assediada por dois clientes do local.
Ela reclamou com funcionários, mas eles apoiaram os assediadores. A polícia foi
chamada, mas nada foi feito. A jovem, então, contou o que havia sofrido no
Facebook. O post teve mais de 139 mil curtidas, 40 mil compartilhamentos e mais
de 1,5 mil críticas sobre a postura do estabelecimento.
Fonte: http://www.universal.org/noticia/2016/02/28/agredir-mulher-e-algo-normal-35737.html
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