Por Eduardo Prestes/ Foto: Fotolia
É comum passar nas ruas e ver muitas pessoas caminhando de cabeça baixa. É preciso desviar das mais desatentas, que nem percebem que podem se chocar contra quem segue em direção oposta. Elas estão de olho no celular, que as distrai e hipnotiza. No ônibus, de pé ou sentadas, continuam a olhar para o telefone, checando mensagens ou verificando as redes sociais.
Já aquelas que dirigem seus carros têm dificuldades em se manter atentas ao trânsito. Esperam ansiosas, sem perceber, o sinal sonoro que anuncia a chegada de uma mensagem de texto. A falta de atenção ao volante pode causar acidentes. No trabalho, a maioria perde tempo em verificar, repetidas vezes, se algo foi postado em sua rede social ou quantas pessoas já curtiram suas fotos ou o seu post mais recente. Esse momento, que deveria ser produtivo, é utilizado de forma inadequada.
Fim do mundo
No almoço com os colegas, os viciados em celular não conseguem tirar o olho do aparelho eletrônico. A conversa, que poderia ser descontraída, não se desenrola com naturalidade. Ao voltar para casa, o aparelho continua ali, ao lado do seu dono ou dona, quase como um apêndice externo. Se for esquecido em algum lugar, o “fim do mundo” é decretado. Nem na hora de dormir o usuário consegue ficar longe do celular.
Graves riscos
Quem não presenciou uma situação assim ou vive isso diariamente? A socióloga norte-americana Amber Case, famosa por questionar o uso da tecnologia pelas pessoas, declarou em entrevista recente ao jornal El País qual é o mais novo vício que as atinge: “checamos o celular entre mil e duas mil vezes por dia. É uma ferramenta muito útil, mas que tem que nos tornar livres. O celular é o novo cigarro: se fico entediada, dou uma olhada nele. A tecnologia não é ruim, mas seu uso está nos desconectando e nos escravizando.”
Dois lados
O doutor em sociologia e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), Paulo Silvino, de 36 anos, também concorda com os benefícios da tecnologia, mas afirma que é preciso ter cuidado com o uso excessivo do celular. “Em todos os lugares é possível ver pessoas que não largam o aparelho para nada, nem para comer ou assistir a um filme no cinema. Mas existem dois lados: ao mesmo tempo que a tecnologia permite a conversa com um ente querido que está longe, de forma mais barata, acaba nos prendendo, pois gera uma ansiedade em ver se há alguém querendo interagir conosco e curtir nossas fotos. É como se as pessoas fossem se sentir mais queridas ao serem mais vistas nas redes sociais”, analisa.
Silvino diz que as pessoas costumam postar nas redes sociais sempre fotos mostrando que estão felizes. “É o selfie mostrando que está comendo determinado prato e usando tal roupa. Se projeta a imagem de algo que não somos, como se todo mundo se tornasse celebridade. Interpretando esse personagem, as pessoas têm cada vez mais dificuldade em lidar com o contraditório e com o que é diferente delas. Se permitem falar coisas de todo tipo, até de forma raivosa e ofensiva, pois se sentem protegidas nas redes sociais”, explica.
Contato humano
Na avaliação do professor, as pessoas buscam saciar um desejo de aceitação, mas, em função disso, as relações sociais estão se empobrecendo. “O uso das redes sociais no celular fragilizou o contato físico. As pessoas passaram a acreditar que são benquistas pelo número de amigos no Facebook ou pelas celebridades que seguem, mas é um engodo. Por mais que desenvolvamos nossa capacidade de comunicação por meio da tecnologia, não podemos prescindir do contato humano. Tudo a que atribuímos um sentido nas relações só é efetivo quando realizado pessoalmente”, reflete.
Humanos
O sociólogo afirma que não há uma fórmula mágica para tentar resolver a questão, mas, na opinião dele, é preciso fazer uma autocrítica em relação ao uso do aparelho. “É preciso analisar até que ponto a maneira como se usa o celular pode ser danosa e se isso pode gerar uma doença em que as pessoas estão cada vez mais enclausuradas, ao mesmo tempo que se projetam no mundo virtual. Não podemos esquecer que somos humanos e não um personagem criado, uma autoimagem que não é verdadeira e está distante da realidade”, pondera.
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