Uma pesquisa do Instituto de Ciência, Tecnologia e Qualidade (ICTQ) indica que sete em cada dez pessoas no País se automedicam. Dessas, 47% pedem indicação de remédios a familiares, colegas e vizinhos. Além disso, 40% usam a internet para fazer o próprio diagnóstico, segundo dados de 2016. O estudo mostra que os medicamentos mais consumidos por conta própria são analgésicos (48%), anti-inflamatórios (20%), antialérgicos (13%), antibióticos (8%) e ansiolíticos (3%). O levantamento foi feito com 2.340 pessoas em 16 capitais de todas as regiões do País.
“Muitas pessoas usam um medicamento para combater um sintoma, como dor e febre, sem saber a origem do problema. O quadro de saúde pode se agravar se a pessoa tomar um medicamento errado ou uma dose incorreta”, avalia Roberto Debski, psicólogo, médico clínico-geral e especialista em medicina integrativa. Ele explica que uma dor de cabeça pode ter diversas causas, desde cansaço até tumor cerebral. Com tantos diagnósticos possíveis, é arriscado se automedicar sem consultar um médico.
Debski destaca ainda que não se deve pedir indicação de remédios a familiares e amigos. “Dores semelhantes podem ter origens diferentes. Além disso, o médico prescreve uma medicação e dosagem específica para cada caso.”
Riscos
A automedicação é perigosa. Só em 2015, o Brasil registrou 24.549 casos de intoxicação por medicamentos, segundo dados do Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox). Isso significa quase três pessoas intoxicadas a cada hora pelo uso incorreto de remédios. No mesmo ano, foram 28 mortes.
Debski lembra que o uso incorreto de remédios pode provocar efeitos colaterais, como dores abdominais, alergias e diarreia, e até comprometer o funcionamento de órgãos, como o fígado e os rins. Pessoas que tomam vários medicamentos, ainda que sob indicação médica, também devem ficar atentas. “A pessoa deve avisar ao médico quais medicamentos ela usa, pois pode haver interação medicamentosa, o que representa um risco adicional às patologias que ela já tem”, alerta.
O médico indica que para manter a saúde o ideal é ter um estilo de vida saudável e evitar a automedicação. “É importante garantir uma alimentação balanceada, dormir bem, manter o equilíbrio emocional, fazer exercícios físicos, não fumar, evitar álcool e fazer acompanhamento médico”, conclui.
Alergia
Até os remédios indicados por médicos podem gerar reações alérgicas. Foi o que aconteceu com a estudante Maíra Mateluna, de 18 anos, em meados de 2016. Na época, ela sofria com muitas cólicas e sua médica indicou um medicamento à base de ibuprofeno para aliviar os sintomas. Após usar o comprimido pela segunda vez, Maíra passou a ter inchaço na região das pernas e nádegas. “Foram duas semanas com sintomas. No início, parecia apenas um inchaço, doía um pouco e a região ficava vermelha. Depois, comecei a ter manchas nas pernas e elas ficavam quentes e eu tinha dor de cabeça também, até o dia em que não consegui levantar da cama”, conta.
Ela foi ao pronto-socorro e fez exames, mas o problema não foi detectado. Depois, foi transferida ao Instituto de Infectologia Emílio Ribas, em São Paulo (SP). “Fiquei internada quatro dias, três deles sem andar e sem dormir. Com observações e exames, os médicos concluíram que eu sou alérgica a ibuprofeno.”
Mesmo após o diagnóstico, Maíra explica que a recuperação total levou quase dois meses. “Fiquei uma semana sem ir à escola. Não podia subir escadas, fazer exercícios e tinha dores nas articulações.” Depois disso, Maíra afirma que mudou sua forma de agir. “Antes, eu tomava remédio para dor de cabeça, para rinite alérgica. Hoje, evito me automedicar e sempre leio a bula, pois muitos medicamentos têm ibuprofeno”, finaliza.
Excesso de remédios
É fácil encontrar uma pessoa com um remédio na bolsa ou na mochila. E a publicidade ajuda a incentivar o uso de medicamentos sem receita, como se eles fossem artigo de primeira necessidade.
Algumas famílias mantêm até estoques de medicamentos em casa. Muitos pais e mães assumem o papel de médicos e receitam remédios a seus filhos. Quase ninguém desconfia dos riscos causados pela automedicação. Tratar um sintoma sem conhecer a origem pode significar até uma sentença de morte. O uso de antibióticos sem acompanhamento médico é uma ameaça global, pois isso ajuda a aumentar o número de bactérias super-resistentes, capazes de sobreviver até ao remédio mais forte disponível no mercado.
A busca de comprimidos para aliviar crises emocionais também é sinal de uma sociedade que não está dando atenção aos novos desafios. Mas uma coisa é certa: não existe pílula mágica. Será que a ansiedade não poderia ser tratada com mudanças no ritmo de vida? O colesterol e a pressão alta não seriam controlados com alimentos naturais e a diminuição do consumo de produtos industrializados? Por que não valorizamos a presença de amigos, as reuniões familiares e os momentos de lazer como parte de uma vida saudável? Será que os remédios são a solução para todos os nossos problemas?
Riscos da automedicação
Efeitos colaterais
Quem usa remédio por conta própria pode sofrer com problemas como distúrbios gastrointestinais, cefaleia, alterações no metabolismo, entre outros.
Esconder doenças mais graves
Ingerir medicamento sem receita pode até ajudar a aliviar sintomas como dores e febre, mas é importante investigar a origem do problema. Uma dor de cabeça, por exemplo, pode significar cansaço, problemas de visão, estresse e até câncer.
Prejudica fígado e rins
O uso constante de alguns medicamentos, principalmente sem prescrição médica, pode afetar o funcionamento desses dois órgãos e levar a problemas graves como intoxicação e insuficiência renal.
Ajudar na proliferação de bactérias mais resistentes
O uso de antibióticos em tempo menor que o adequado ou em dosagem incorreta pode levar as bactérias a criar resistência ao remédio, o que gera até risco de morte ao paciente.
Alterar o resultado de um tratamento
Pessoas que usam remédios por conta própria associados a medicamentos prescritos por médicos correm o risco de sofrer com os efeitos das interações medicamentosas, quando um medicamento pode inibir ou alterar a ação de outro.
Dependência
Algumas substâncias presentes em medicamentos têm potencial de provocar dependência. Por isso, o uso de remédios deve ser feito sempre sob orientação de um médico.
Fontes: Anvisa, Ministério da Saúde, Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox), doutor Roberto Debski e Organização Mundial da Saúde (OMS)
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